sexta-feira, 19 de abril de 2013

O GURU E O CHELA

O Guru e o Chela



Já discutimos aqui que dharma quer dizer função (intrínseca) e que karma, que significa literalmente ação (ou conduta), é a resultante do exercício do dharma ou não.
É do exercício do dharma que surgem os relacionamentos. Na Sarva Yoga é dito que a realização é resultante da tríplice utilidade (ao Cosmo, a Si e ao próximo).
Evidentemente só existe a tríplice utilidade se o ser identificar e viver o seu dharma.
No Oriente, em especial na Índia, surge, dentre os relacionamentos espirituais, o estabelecido entre o guru e o discípulo ou chela.
Guru, literalmente, quer dizer o dissipador de trevas e, por isso mesmo, não é um indivíduo determinado, mas uma função interna que diz respeito a todo ser. Todos nós, em essência, temos um “dissipador de trevas”, um Guru, ou seja, a voz do discernimento, da consciência individual, o jivatman.
Entretanto, no jogo cósmico que se realiza no plano sensorial e material, muita vez, o ser interno identifica  em outrem o jivatman desperto e unificado.
Como tudo é a unidade, o guru externo e o interno são o mesmo, tratando-se de mero estratagema dos bhaktas (devocionais), projetar sua consciência no guru externo o jivatman  consciente.
Ramana Maharishi disse muitas vezes que não existia guru e chela e que todos eram o mesmo, mas ao ser perguntado por um dos residentes a razão de dar a upadesa (benção do guru) ele respondeu: Não existe diferença sob o meu ponto de vista, mas existe do seu.
O guru não comanda, não ordena, interage com o chela, ou o discípulo com ele, de modo que a realidade interna reflita no guru, e retorne clarificada para o postulante.
Entretanto a inteireza de tal relacionamento só é possível quando um ser realizado possui tal dharma e atrai naturalmente outros que possuem o karma/dharma correspondente.


O guru não ordena, comanda ou exerce uma função hierarquicamente superior, mas, tão somente, reflete a integralidade e harmonia que o chela, por sua prisão à ilusão dual não pode perceber em si e começa a fazê-lo por meio do Ser liberto que é o Guru.
Todavia, em determinado momento, ele deverá reconhecer a não dualidade e por termo ao relacionamento ilusório para compreender que apenas um age, apenas um vive e que o que está no outro, nele se encontra do mesmo modo.
No Ocidente e, pelo que soube, até na Índia tal relacionamento vem sendo distorcido.
Pela nossa conduta hierarquizada, subordinadora e autoritária, concebemos um guru que comanda os seus discípulos e que dele recebe honrarias, senão bens materiais, mas sempre esperando receber algo em troca.
Isso quando não é alguém com um viés de quiromante ou presdigitador.
O guru não é alguém que está ali para predizer o futuro ou dizer o que o discípulo deve fazer e menos ainda dar ordens ou exigir obediência.
A conduta autoritária de uns, a subserviência passiva de outros não são características de tal relacionamento e adulteração ou falseamento dele, além de se constituir em violação do dharma, trás graves consequências à psique dos envolvidos ou mesmo de natureza cármica.
A verdade é que para o ocidental pragmático e racionalista, é difícil viver tal relacionamento e a tentativa artificial de sua construção, em regra, violenta a natureza do ocidental e cria um arremedo de relação feudal (amo/servo), baseada no poder e não no amor transcendental, como deveria ser.
Por isso, vez por outra nos deparamos no Ocidente com os estragos de tal relacionamento e, mais ainda, com a alienação do discípulo e o retraimento do desenvolvimento humano, quando a realidade é o oposto.




2 comentários:

  1. Daí acho que emerge uma dúvida: um falso guru, "cria" um falso discípulo? Ou, ao contrário, pode ser algo talvez necessário ao chela, (pelo darma e karma), talvez seja o tempo de encontrar o guru dentro de si, ou não?

    ResponderExcluir
  2. É um círculo vicioso, um cria o outro e se entrelaçam em uma relação irreal e sem fim, baseada na ilusão. Falso Mestre, falso díscipulo, falso discipulo, falso mestre,até que alguém quebre o circulo (ou não).

    ResponderExcluir