IOGA
E SUA ORIGEM
1.
A
Era Axial
O filósofo alemão Karl
Jarspers definiu a era Axial como o período compreendido entre 800 e 200 A.C.
aproximadamente.
É este o período único na
história que define o homem como o conhecemos.
É um período ímpar porque
marca um movimento de busca individualista em que o homem se define
individualmente e começa uma busca particular por “salvação” ou pela cessação
do sofrimento ou insatisfação.
Uma sensação de mal estar se
apoderou do homem que começou a se voltar para si mesmo.
Isto ocorreu simultaneamente
em três regiões do mundo: a) China (Confuncionismo), b) Índia (Bramanismo, Ioga
e Budismo), c) Ocidente ( Grécia com Sócrates e Platão, Judaísmo entre os
Hebreus e Zoroastrismo entre os Persas).
Pela primeira vez inicia-se,
de forma aberta, no mundo, um processo de auto investigação e rejeição das
teorias de desigualdade e supremacia racial e do culto a deuses externos e que
exigiam sacrifício.
No texto que se segue nos
ateremos ao budismo e a ioga e seu confronto com o bramanismo então vigente.
Antes, porém, deve-se fazer
referência às questões estabelecidas durante este período:
·
O Homem toma conhecimento de suas limitações
e procura a salvação para si.
·
Procura a salvação pela reflexão, meditação e
praticas de interiorização. Começam as rupturas e daí o caos.
·
Do caos surgem as grandes correntes
espirituais e filosóficas ainda em voga.
·
Costumes e tradições são postos em xeque e
mudam através dos séculos.
2.
A
Índia pré-Axial
A Ìndia se viu invadida por um povo guerreiro, oriundo da
Europa: Os arianos. Dominantes, este povo submeteu os dravididanos e criou um
sistema de casta baseado na diferença étnica: a) brâmanes (arianos) detentores
do poder sacerdotes únicos conhecedores do idioma sânscrito e dos rituais
védicos; b) Kisatrias, guerreiros e administradores; c) vaisyas, camponeses a
criadores de gado (responsáveis pela economia); d) sudras, escravos, marginais
e servos.
O sistema de castas, móvel no início, logo passou a ser
fixo e intransponível, assegurando aos arianos o domínio e a supremacia no
poder.
Os ritos védicos previam o sacrifico de animais, que eram
abastecidos pelos vaisyas.
Deve-se tal postura a então recente doutrina da
reencarnação. Segundo tal doutrina as pessoas sempre renasciam em melhores ou
piores condições que na vida anterior, tudo de acordo com as suas ações ou Karma (khama em pâli).
A idéia de um novo renascimento (vida: nascimento,
envelhecimento, sofrimento e morte), angustiava os indianos.
Foi nesse estágio que, instalado o mal estar, começaram os
questionamentos.
O curioso na doutrina original é que não havia
escapatória: bons ou maus nascimentos, mas a reencarnação era obrigatória. Tudo
isso em razão do bom ou mal karma. Não há escapatória. É chamada roda de samsara.
Os mencionados ritos védicos, o derramamento de sangue
busca assegurar uma boa vida e um bom renascimento.
É contra isso que o movimento da era axial vai se
insurgir, inclusive Sidartha, o Buda.
Não aceitam matança para satisfazer os deuses e, menos
ainda, a escravidão da reencarnação compulsória. Querem quebrar o ciclo.
Naquela época os arianos (brahmanis) cultivavam uma droga chamada soma, que lhes permitiam entrar em transe ou êxtase, durante o qual
recebiam (srit) os textos inspirados
chamados Vedas.
Nunca se disse que tais textos foram ditados por deuses
ou coisa similar, mas efeito da percepção dos arianos.
Um grupo de sábios das planícies à oeste do Ganges faz
uma revolução filosófica: começam a pregar que brahman está dentro do homem. Editam, portanto, os Upanishads. O próprio título demonstra o
caráter esotérico revolucionário desta doutrina, pois apa-ni-sad, em sânscrito, quer dizer sentar-se próximo.
Surge, portanto, a idéia de um “Eu” eterno e absoluto
dentro do ser humano e só ele pode quebrar samsara.
Com isso surgem os monges errantes, pessoas que
abandonavam a religião védica e partiam para a busca de sua própria identidade
espiritual, rejeitando qualquer traço de sua casta e sua religião. Jogavam fora
todo o traço de sua origem védica ou bramânica como roupas e adereços, eram os sannyiasis (os que jogam fora). O sannyasi fazia isso em uma cerimônia
chamada Pabbajja (partir).
Várias doutrinas ou dharmas
(dhammas em pâli) são desenvolvidas, todas buscando o fim de samsara.
Todas têm esse ponto em comum, além de serem pragmáticas:
Visam a libertação do homem e somente se possível tal realização teriam sentido
ou permaneceriam.
Desenvolvem, sob esta visão, a doutrina da ioga (do
sânscrito yug, quer que dizer amarrar tudo junto ou unir).
A ioga não é uma religião e visa colocar o homem em
contato com a sua essência e pouco ligava para os deuses, assim como os demais
monges errantes e o dhamma que
seguiam.
3.
Sidartha
É nesse ambiente que surge Sidartha Gautama, vindo da
República de Sakka, onde o seu pai
era um dos membros do Conselho na capital Kapilavastu,
local que não tinha sido alcançado pelos arianos e seu sistema de castas.
O príncipe fez o que seria condenado por muitos hoje em
dia, deixou suas obrigações no palácio, abandonou a esposa Yosodara e o filho Rahula
(grilhão), recém-nascido sem dizer adeus, enquanto dormiam e partiu para
encontrar uma resposta.
Fugiu do reino, repudiou a vida familiar como a conhecia
e se dedicou a encontrar a iluminação, não se contentando com os estados
intermediários que alcançou ao longo do caminho.
Bom Karma, bom nascimento, mal Karma, mal nascimento,
então karma nenhum, nenhum nascimento.
Foi o que concluiu e que somente encontrando a iluminação
chegaria ao seu estado primordial e quebraria a roda de samsara. Concluiu que a ignorância sobre Si era a razão de dukka (insatisfação)
e de samsara. Assim, através da real
iluminação seria liberto. Ele ou qualquer homem.
Entendeu que a iluminação é o estado natural do homem e
não o contrário, rejeitando o caráter sacro e religioso e ritualístico de tal
situação que a aparta da realidade cotidiana.
É importante ressaltar isso, quando vivemos na
pós-modernidade, em plena era do mal estar coletivo e mundial.
Um fator importante para o surgimento da era Axial e da
mudança de mentalidade foi o comércio e urbanização da Índia que a transformou
em Cosmopolita, surgindo aqueles que não se enquadravam no tipo ritualístico e
servil que agradavam aos brâmanes.
4.
A
Era Axial e a Pós Modernidade
Vivemos dias similares, em um país que não tem conflitos
étnicos sérios, castas ou o que valha para jogar fora, para agirmos como os
sannyasis daquela época.
Estamos numa era de grande depressão econômica e
psicológica, em que o vazio e a escuridão são assustadores.
Curiosamente, a ioga ao longo dos anos sofreu uma
inversão. Usada para emagrecer, tratar de males, coluna, etc., esqueceu-se de
seu ponto fundamental.
Algumas escolas, no Brasil e na América, tentam atrelá-la
a cultos hinduístas, tudo aquilo que foi a sua razão de repúdio na sua origem.
Culto a deuses externos, de qualquer religião não fazem
parte da ciência da meditação ou da ioga.
Ela é uma afirmação do próprio homem, de sua busca de si
mesmo e não o meio de satisfação física ou de culto a figuras mitológicas
externas.
Para isso devemos repensar a nossa forma de encarar a
ioga.
A ioga segundo Sevânanda é um meio de se aperceber de Si.
É nisso que devemos focar.
Através da meditação, observação, da mente silenciosa,
permitindo que o que somos aflore, sem mitologias, idéias pré-concebidas,
imagens de batalhas colossais e de que se trate de uma busca impossível ou para
poucos.
Devemos parar com o método restritivo, a idéia de
escolhidos ou especiais ou mesmo de únicos.
A revelação do Si é possível a quem quer que seja desde
que empreendida com honestidade e sinceridade.
Não se trata de método ou técnica, mas de uma
determinação de observação de entrega, de “diálogo”, de deixar aflorar o que
“é”.
5.
Ioga
Como foi dito, segundo Sri Sevânanda Swami, a ioga é meio
de aperceber-se de Si.
Trata-se de voltar-se para si e encontrar o Real, o
Indescritível que é a essência viva de nós.
É a utilização da inteligência à serviço de se
estabelecer o que é natural, espontâneo e ilimitado: o Real da essência humana.
Foi desenvolvida no Oriente, especificamente na Índia,
com a finalidade de permitir a realização do homem que vive em angústia e
insatisfação e que não se contentava e não se contenta com as religiões, seitas
e ritos tradicionais.
É uma busca de Si mesmo, de forma crua e direta.
Os monges não eram religiosos, mas insatisfeitos com a
sistema hierárquico e arcaico da sociedade ariana, no que diz respeito,
inclusive, á religião.
Por isso surgiram os sannyasis,
que se desfizeram de qualquer sinal daquela sociedade e partiram em busca
do auto-conhecimento.
Pantânjali copilou em seus sutras (ensinamentos) os
métodos já disseminados entre os monges errantes que mudavam de mestre ou de
dhamma, livremente, conforme sua conveniência.
Para que o homem inicie tal jornada é preciso que ele
admita dukka (sofrimento, insatisfação, etc,), ou seja que a vida cotidiana é
sofrimento, insatisfação, dor e morte e que tais coisas não cessam há não ser
pelo encontro consigo mesmo, pondo fim à roda de samsara.
Para que esse encontro se dê é preciso determinação,
energia e perseverança e profunda honestidade para consigo mesmo.
O estado real de consciência faz cessar o bom e o mal
karma, enquanto karma ou kahmma, deixando o homem senhor de sua vida.
O samadhi ou êxtase, enquanto significado literal (sem
eu), reflete esta verdade, mas não se pode dizer o mesmo dos estados que os
iogues tradicionais denominam como tal.
São estados fabricados que fazem cessar o sofrimento
momentaneamente, mas que depois de encerrados, retornam o homem a tudo que o
compõem no dia a dia (medo, dor, sofrimento, ganância, etc.).
Entretanto, muitas vezes, é um estágio necessário para um
salto maior, para por fim ao último ato de ganância do homem que se vê perdido
diante de si mesmo.
O nosso problema é que a ioga original de Valmik e
Patânjali, foi, ao longo do tempo, atrelada ao que ela combatia, ou seja a
ritualística e mitologia bramani.
Esqueceram-se que a Era Axial, período em que surgiu a
ioga, era marcada pelo início da busca individual e interior e tentaram tornar
isso um sistema coletivo e ritualístico, com hierarquia e regras fixas que
prendem os postulantes como grilhões.
Para piorar ainda mais a situação, nós, ocidentais e sul
americanos, carentes de uma identidade própria começamos a nos identificar com
isso, sem aproveitar o potencial que nos proporciona esta situação ímpar de
sermos desiguais em relação aos demais povos.
A pretensão da Sarva Ioga é quebrar o vínculo a esta
tradição e permitir o processo de descondicionamento psíquico sem se apoiar nos velhos mitos do
passado.
Entretanto, isso ainda não foi clarificado adequadamente.
Muitos iogues e escolas começaram a buscar respostas
externas, com métodos de “meditação” (na verdade concentração), focando a mente
em imagens ou imagem daquilo que o aspirante deveria se tornar.
Outras escolas o fizeram até de forma mais repressiva do
que os iogues, Sem perceber que, com isso, estavam alimentando, ainda mais, o
estado antinatural em que se encontra o homem.
Daí estabeleceu-se, mais uma vez, o conflito.
6.
O
Conflito
Em dado momento o que era claro e natural foi mascarado,
empoeirado, vedado, por fragmentos de uma mente torrencial, do fluxo de
pensamentos, da mente cerebral e material.
Criou-se o fragmentado, o outro, o ego.
As escolas, gurus, etc. disseram que ele tinha que ser
combatido, vencido, ou que tínhamos que ser melhor do que somos.
Enfim, que tínhamos que nos tornar outra coisa e aí
surgiu o conflito entre o que é e o que deve ser.
Criou-se uma imagem projetada daquilo que devemos nos
tornar. O homem médio vive dentro da dimensão temporal, sempre querendo se
tornar “algo”, mais rico, mais bonito, mais inteligente, mais iluminado, etc.
O conflito entre o ser e o “dever ser” ou “vir a ser” é a
causa da angústia, mal estar, sofrimento e insatisfação.
Quando se combate o outro (ego, Mara, etc.) este se
fortalece e reage, pois ele não quer morrer, afinal é no cérebro, na mente
material e concreta que se encontra o instinto de sobrevivência ou
auto-preservação.
A auto-preservação está no eu e não no não eu.
Assim, o “não eu” ou “o real” não luta para emergir assim
como o ego luta para viver. Essa luta só fortalece o ego.
O real apenas é e existe, é simples.
Mas o conflito entre o que é e o que não é (dever ser) só
gera conflito e o conflito é a violência interna que se converte na violência
exterior.
A única forma de real de ahimsa (não violência) é aquela que para de alimentar o conflito.
Queremos ser iluminados como alguém quer ser milionário.
Isso é ganância.
O único que se pode fazer é ser vigilante, atento,
observar sem julgar, condenar ou justificar. Olhar e nada mais.
A observação imparcial é não violência e sinceridade e
põe fim ao conflito.
7.
Ahimsa
e Satyagraha
Ahimsa (não violência) e satyagraha (ater-se à verdade ou
sinceridade) são, muito mais, em uma postura interna do que externa.
Não violência é não fragmentar, não olhar para o objeto
tentando separá-lo do observador, dando-lhe uma conotação combativa.
Basta olhar sem pretender antagonizar observador e
observado, pois são um só.
Ater-se a verdade consiste em não criar ilusões ou
factóides sobre o que vê; não justificar e nem condenar. Moralismos românticos
e auto-flagelação não tem lugar aqui.
Basta a sinceridade do olhar espontâneo e imparcial.
Somente a docilidade da mera observação despretensiosa e
livre, pode permitir
que o que é toda espontaneidade e naturalidade venha a
tona.
A verdadeira meditação é espontânea e não pode ser
fabricada ou imposta.
Tudo se resume a observação e ao fim do conflito.
8.
O
Mundo em Que Vivemos Hoje
Estamos na pós-modernidade, em um mundo que está cada vez
mais globalizado.
As benesses e conforto proporcionado pela tecnologia e
evolução científica são cada vez maiores e mais significativas, mas não foram
capazes de fazer cessar o vazio, angustia, violência, insatisfação e
sofrimento. Em suma, dukka ainda predomina.
Guerras e fome ainda assolam o mundo e o homem
pós-moderno se vê diante de uma situação caótica: nem a ciência, nem a religião
e nem a filosofia foram capazes de cessar a sua dor.
Gurus povoam o mundo, mas a autoridade externa, a relação do “faça isso ou aquilo” ou do
“creia nisso”, se mostrou falha e insatisfatória.
A nossa era é muito similar a era Axial.
9.
O
Homem Brasileiro
O homem brasileiro é um cadinho cultural e étnico interessante.
Oriundo das matrizes européia, afro e indígena que se fundiram em mestiçagem,
tornou-se um grupo à parte das matrizes que o formaram.
É um novo povo em ebulição, criando cinco tipos básicos
regionais: a) caboclo, b) sertanejo, c) caipira, d) litorânea, e) gaúcho.
Estes tipos têm em comum o gosto pela pessoalidade no
trato, ou seja, a forma próxima de relacionamento.
Não são muito simpáticos aos métodos de autoridade e de
disciplina rígida. Normalmente não vêem com bons olhos os trabalhos braçais e
manuais, mas cultivam a arte e artesanato e demonstram simpática e sintomática
sensualidade.
São mais expansivos que o comum das gentes, mas encobrem
a angústia e a insatisfação de uma cultura e identidade ainda em
desenvolvimento. São conciliadores por natureza.
Por isso, a ioga tradicional se torna mais uma ideologia
alienígena e autoritária que converte em uma conduta copista e sem resultados
efetivos.
Isto, evidentemente, não se refere à real meditação que é
inerente a qualquer humano.
Mas o brasileiro precisa de um sistema que lhe permita
dar espaço à sua criatividade e sua forma libertária de se conduzir, sem as
peias e amarras do autoritarismo que os neo-gurus instalaram pelo mundo ao
longo dos séculos.
10. O
Que É e O Que Não é Ioga
A ioga real não é religião e nem é filosofia, por isso o
seu atrelamento a ritos e rituais não a tornam mais eficaz.
Os antigos arianos usavam o sacrifício animal para
aplacar o Karma, e isso não foi eficaz. Continua não sendo: promessas, rituais,
velas e orações não ajudam na cessação do carma ou no encontro com o Real.
Somente um auto-questionamento sincero pode levar a isso, mas não se opera com
a mente ordinária.
Ioga é um sistema pragmático de auto-conhecimento, de
purificação dos corpos físico, vital e mental, para que a verdadeira natureza
possa se fazer manifesta.
Considerando-se o momento atual e a comunidade a que se
dirige, mitos e rituais antigos, orientais ou ocidentais não são de grande
valia e, muito mais, criam e alimentam a mente ordinária, criando o abismo
entre “o que é” e o “tornar-se”.
Religiosos oram ou rezam, fazem promessas, filósofos
racionalizam, iogues investigam, e colocam a mente em ação (mente+ação é
meditação).
É, pois, um sistema de auto-investigação para a percepção
de si.
Seu fim é permitir que o real estado meditativo se
instale.
11. O Que é Meditação e O Que não é
Meditação
Meditação não é concentração e nem racionalização. Não é
a focalização em um objeto externo. Não é oração e nem emissão de ondas de
sentimentos.
Meditação não é controle mental.
Nem mesmo a observação imparcial em si, é a meditação,
mas esta é o estado sem conflito que resulta daquela observação. É aquilo que
não pode ser descrito e que está além dos estados extáticos comuns oferecidos
pelos diversos sistemas, inclusive a ioga tradicional.
Não se tenta controlar o pensamento, se ele se mostra
indócil, o observador o acompanha e observa, calma e tranquilamente, observando
sua origem e suas razões, sem julgamentos.
A torrente de pensamentos, assim observada tende a se
submeter e o estado meditativo se instala.
Meditação é a manifestação ou ação pura do que é real.
12. O que pretendiam os Sarva Iogues
Os Sarva Iogues pretendiam trabalhar com a ioga pura, sem
o que chamavam de “bagaço” dos mitos
e tradições, mas na incorporação dos fatos, acabaram incluindo dogmas como
muitos existentes no Oriente e no Ocidente, que, em regra não atingem os
brasileiros e sul americanos em sua essência.
A verdade é que a maioria dos praticantes gira em torno
da doutrina, recita nomes falam nos deuses antigos ou modernos, mas não
conseguem, sequer, resvalar a essência do dharma
(doutrina) ou do sutra (ensinamento).
Isto porque os fatores condicionantes da mente material
do ocidental, em especial o sul americano, com ênfase no brasileiro, não foi
formada com tais paradigmas.
Mesmo o paradigma cristão foi inseminado de forma muito
própria, diferindo do resto do mundo.
Além disso, nesse cadinho cultural, temos os mais
diversos em formação cultural e religiosa, incluindo a maioria que é apenas
formalmente cristão, mas se comporta como agnósticos.
Um sistema simples e direto de auto-investigação pode ser
mais eficaz do que a tentativa vã de reproduzir condutas devocionais ou
filosóficas estranhas à mente dos nossos pares.
Como faze do brasileiro um sannyasi, por exemplo, se ele
não tem títulos étnicos, de nobreza ou de casta para renunciar?
Ser errante em uma terra que pertence, sempre a outrem?
Não é melhor ser errante pelos meandros de sua própria
natureza, adotando uma postura investigativa?
13. O Diálogo Investigativo e A Meditação
O diálogo é uma forma real de investigação quando bem
conduzida.
Diálogo quer dizer “através de”, não sendo obrigatória a
sua realização entre duas ou mais pessoas, mas pode ser feita consigo mesmo, desde
que observada a sinceridade.
O brasileiro, em geral, tem vocação para a compassividade
e piedade, mas a vida moderna e o seu temperamento, tornam difícil anos de
prática ioguica ascética, bem como a prática de austeridades.
A tentativa de abrandar tais regras só geram uma falsa
impressão de prática, enquanto que a imposição das regras clássicas se tornam
infrutíferas e incompreensíveis para a maioria dos postulantes.
Entretanto, uma vida e dieta equilibrada, uma prática
racional da meditação investigativa, bem como o diálogo sistemático podem lhe
permitir a percepção do real ou a sua ampliação.
Quando a mente está harmonizada, a meditação se instala.
14. A
Prática da Ioga contemporânea
A prática da ioga contemporânea depende de uma vida e
dieta equilibrada, uma mente harmonizada, uma natureza compassiva, uma
disposição intrépida e determinada de se auto investigar e aos objetos à sua
volta, com observação sem imparcial e sem separatividade.
É viver permitindo que o Real se manifeste.
É amor Real, sem apegos, sem luxuria.
É espontaneidade acima de tudo.
Técnicas, truques ou condutas repressivas não são
eficazes e geram o conflito.
15 A
Relação Mestre Discípulo
No início o Guru (dissipador das trevas) era aquele que
aplicava uma doutrina e os seus discípulos eram os praticantes.
Eles tinham a liberdade de mudar de guru se sentissem que
a prática não lhes era adequada. Não existia, portanto, esta conotação mística
ou familiar que se deu posteriormente.
O fato é que o culto à personalidade imperou e acabou
trazendo amarras aos praticantes que deixaram de ser os livres buscadores de
outrora, mas membros de uma corte que deviam obediência à autoridade máxima: o
Guru.
Nossa formação não nos permite isso, somos todos humanos
e vivemos sob um regime de igualdade. Um regime de hierarquia quase
militar-feudal não produz os efeitos que se deseja.
Quando muito, admite-se um intermediário ou coordenador
de trabalhos, um orientador, mas o caminho, as escolhas e a liberdade são
sempre do postulante.
As relações mestre discípulo ou guru chela são arcaicas
tanto quanto os laços de vassalagem medieval dos tempos da cavalaria.
Fica mais claro quando nos damos conta que não existem
mais ou menos evoluídos, melhores ou piores, mas dormidos ou despertos,
impolutos e poluídos, conscientes e inconscientes, mas todos com a mesma
essência.
Não se justifica, portanto, que alguém assuma a postura
superior ou de autoridade em relação a outrem.
Títulos de distinção não são bem vindos, pois nada fazem
senão acentuar a aparência ilusória de diferenciação ou superioridade de
qualquer natureza.
Tudo o que importa é o Real. O Estado de Perene
Meditação.
14 .
A Mente Concreta – Nascimento e Morte
A mente material ou concreta é tridimensional e,
portanto, funciona no tempo e no espaço. Na verdade é ela a responsável pelo
tempo psicológico, uma das suas grandes ilusões.
Não é criativa e funciona como “gravadora” ou
“registradora”, reproduzindo o que nela se encontra armazenada.
Opera, pois, no plano da memória e suas projeções são
todas advindas do passado nela contido.
Para entender isso, observe-se um filme de ficção
científica futurístico: vê-se claramente que sob uma alegoria futurística estão
projetadas questões da época em que o filme foi produzido. Assim funciona a mente
concreta.
Os registros, ao que parece, começam com o nascimento (a
primeira respiração), dando curso ao fluxo de pensamento que continua a operar
até o último suspiro. Neste interregno a mente registra, copia e reformula até
o seu completo desligamento que se dá com a morte do ser humano.
A mente cerebral é responsável pelo fluxo incansável de
pensamentos, pela torrente e, também, pelo instinto de sobrevivência que
pretende preservar suas reservas, responsáveis pela identidade humana
(persona).
Como o pensamento não é uno, mas uma série que não se
interrompe, podemos entender porque a personalidade também não o é, ou porque
ela é fragmentada.
A personalidade, é preciso ressaltar, não é una, mas
fragmentada e múltipla, assim como os pensamentos que a compõem.
É ela que é poluída e não permite que a Inteligência
impoluta e criativa, pura se manifeste.
É a criadora do bom e do mal Karma e responsável pelo que se denominou roda de samsara. Por conseguinte é responsável
pelo ciclo de nascimento e morte.
A deflagração da mente cerebral é o nascimento e seu
desligamento é a morte.
Entenda-se que não nos referimos aqui à morte biológica,
simplesmente, mas a morte, como o evento que põe fim à personalidade. Diga-se o
mesmo, só que inversamente, com relação ao nascimento.
É fácil entender, então, porque qualquer ataque à mente
cerebral, tentando silenciá-la é respondido com resistência e nunca logra o seu
intento. A mente não quer morrer. De alguma forma é ela a regente de todas as
outras funções vitais, mas estes, é evidente, não cessariam com o corte do
fluxo de pensamento.
Entretanto, para a mente, este corte é a morte.
Assim, um dos grandes mistérios da humanidade é
respondido: o que é a morte.
A morte é o fim do fluxo de pensamento. Toda vez que este
fluxo é interrompido, acontece uma morte. É por isso que não atingimos os
“céus” sem “morrer”.
É também por esta razão que o combate a mente só aflora e
aguça o conflito, a violência.
O melhor é somente observar, acompanhar, seguir, sem
julgamentos, imparcial, mas, atentamente. Tentar matar é sempre um ato de
violência e a meditação não se instala pela violência, mas pela mansidão, ou
seja, observação atenta sem violência e agressão e de forma honesta.
A pureza é da essência do ser e ela não se manifesta onde
houver violência e inverdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário