A
SARVA IOGA E OS ÍDOLOS
Swami
Satyananda[1]
Durante anos fui preparado
pelo meu Mestre, Swami Sarvananda (Georg Krítikos), para ser um sarva-swami[2].
Eu o conheci em 1984 e nossa
relação perdurou até a sua morte.
Em 1991 fui ordenando na
ordem milenar dos Swamis e recebi o nome de Satyananada.
Não era intenção do meu
Mestre, e nem dos que o guiaram, que nós fossemos mera repetição do que já fora
dito ou feito.
A realização espiritual se
assenta, consideravelmente, na espontaneidade e originalidade, o que resulta em
um construtivismo criativo.
Não fui treinado para ser um
clone, mas preparado para ser um continuador.
Assim como uma obra escrita
por vários autores em seqüencia, cada um acrescenta algo, nem que seja uma
vírgula, contribuindo para o todo, nos limites de sua missão e capacidade.
A expressão sarva, em
sânscrito, quer dizer integral, total, enquanto a palavra swami, também em
sânscrito, quer dizer ligado a Ishwara, uma das manifestações de Shiva, o
destruidor.
Acontece, que o destruidor é
também o construtor, logo, sarva-swami é aquele que tem a consciência desperta
e integralmente ligado ao Grande Construtor e à sua obra, sendo ele mesmo
construtor e parte da obra, o que demonstra integralidade e que tudo é igual a
tudo.
Na tradição vedântica[3], você pode se ligar ao
Alto pelo impessoal e pelo pessoal. O pessoal pode ser com ou sem atributos.
Obviamente, não há como explicar a pessoalidade sem atributos, entretanto, a
relação pessoal com atributos se dá dentro das cinco formas seguintes: Deus
como pai, Deus como mãe, Deus como amigo, Deus como amante, Deus como filho.
Esta forma funciona bem,
principalmente dentre os indianos oriundos da região de Bengala, por serem
muito emotivos e sentimentais, acalentando em si uma alma poética e romântica.
Foi assim como o Bendito
Senhor Ramakrisnha[4]
e alguns de seus discípulos, que cultivaram uma relação com o Deus pessoal,
para só posteriormente cultivar a relação impessoal.
Swami Vivekananda dizia que
o Deus pessoal é a forma que a mente filtra e interpreta as impressões Divinas.
Eis aí uma grande chave da
qual trataremos mais adiante.
O Mestre do Swami
Vivekananda[5],
O Senhor Ramakrishna, tornou-se discípulo da Bhairavi Bramani[6], uma mulher, que lhe
proporcionou a possibilidade de atingir a realização no deus pessoal com
atributos (A forma radiosa da Divina Mãe).
Posteriormente, Ramakrishna
teve um encontro com Totapuri [7]e este o levou ao
conhecimento do Deus Impessoal.
Ramakrishna declarou, em
dado momento, que lhe era fácil desapegar de qualquer objeto, exceto da forma
radiosa da Divina Mãe.
Quando transmitiu isso à
Totapuri, este, muito severamente disse: “como não pode, tem que poder”. E
fê-lo concentrar em um caco de vidro azul introduzido entre os olhos.
Ramakrishna continuou seu
relato, dizendo que quando a imagem da Divina Mãe surgiu radiosa, que ele usou
a sua discriminação como uma espada e a partiu ao meio, não restando nada, voou
livre para o plano sem imagens e abstrato, permanecendo neste estado por três
dias[8] e, em semi-êxtase por seis
meses initerruptos, sendo necessário que cuidassem de suas mínimas
necessidades.
Vivekananda, por sua vez,
permaneceu em estado similar por 12 horas, voltando lentamente à consciência
sensória depois disso.
Por outro lado, a tradição
cristã sempre condenou a adoração de ídolos, chegando alguns cultos a vedar a
disposição de qualquer imagem em seus templos.
Provavelmente muitos dirão
que o culto ao deus pessoal é uma forma de idolatria, todavia é bom não olvidar
que o Senhor Jesus sempre chamou a Deus de “Pai”[9], usando a expressão
“Abba”, que é algo como “papai” ou “paizinho”, sempre ressaltando que Deus é
amor e, portanto, dando-lhe atributos.
Haveria contradição entre
tais comportamentos? O ídolo seria, realmente, uma imagem cristalizada em pedra
ou madeira?
Convém, neste ponto, fazer
uma pequena intercessão na linha de desenvolvimento do texto para fazer um
esclarecimento, quanto aos termos e sua real significação, em especial para nós
sarvas.
A palavra ideologia, advém
do termo “idéia”, que no grego significa um pensamento ou conjunto de pensar,
construtivo e também, origem a palavra ídolo. Ideologia é, portanto, um
pensamento humano, que, sistematizado, aplica-se um grau de verdade.
O ídolo por sua vez, é uma
corrupção da ideologia, visto que é a cristalização da crença, sem conhecer o
seu mecanismo, alcance e finalidade.
Enquanto a idéia surge do
pensamento criativo e a ideologia da sistematização das idéias criativas, o
ídolo é a crença irracional, sem conhecimento de sua origem, normalmente imposta
por pretensos seguidores que, sem saber do que falam, fazem unicamente o que
podem, impõem uma crença cega, obstinada, irracional, sem admitir divergências
ou tangiversões.
É preciso compreender que a idolatria (crença)
irracional, mesmo que em uma coisa aparentemente boa, prima facie, pode gerar
situações muito graves, ou não teríamos a inquisição e as guerras e conflitos
resultantes da intolerância religiosa.
Foi contra o apego
irracional que Totapuri mostrou severidade, ainda que se tratasse do Sr. Ramakrishna,
posto que não se justificava o apego à forma, quando este já compreendera a infinitude daquilo que realmente É.
De outra sorte, não se
justifica condenar a utilização de meios racionais, compreensíveis à mente
humana, que permita ao neófito um primeiro contato com a luz, em um estágio que
lhe seja compreensível.
É por isso que a ordem dos
Sarvas-Swamis admite e, mais ainda exige
que para a ordenação do Sarva-Swami, este tenha vivenciado com capacidade de
reiteração um dos cinco tipos de êxtases tradicionalmente conhecidos, ou seja:
o samadhi ioguico, o transe devocional extático, o satori (zen), a iluminação
supramental (Aurobino) e o quarto estágio gurdijjiefiano[10].
Entretanto, ainda que
vivenciado o êxtase reiterável, é necessário a disposição de servir a ordem
incondicionalmente, assim como ao desapego a quaisquer idéias, ideologias,
crenças ou obstinações[11]. Além disso, ser ordenado
pelo Sarvayogacharya[12] da OSA[13], ou por um swami com mais
de sete anos de exercício, devidamente autorizado pelo Acharya.
Pode parecer estranho a um neófito ou um
pré-discípulo, que a ordem exija o desapego de crenças. Note-se, não se exige a
descrença, ou a ausência de idéias, mas a capacidade de estar acima delas e de
utilizá-las racionalmente, para os fins a que se destinam, para, ao final,
chegar-se ao estágio da mente abstrata.
É de se notar, portanto, que
a referida norma da OSA, mantém-se, em consonância com a doutrina do não
cultivo de ídolos, assim como Gautama, o quarto Buda, se negou a fazer
digressões sobre o Divino ou dar-lhe atributos, limitando-se a pregar a
necessidade de conscientização, desapego, pratica da verdade, abnegação e amor[14], para atingir-se o
nirvana.
O encontro consigo mesmo e a
realização de Si, permitem, ao longo do caminho, o uso racional de imagens ideais
para o cultivo da consciência devocional, mas a própria consciência exige, ao
longo da caminhada, a liberação de tais imagens. Eis porque Sri Sevananda dizia
que o samadhi ainda é humano e contém a ilusão, mas que só a figura do Sarva
Swami em perene meditação está livre de toda influência, vivendo no mundo da
mente abstrata, ainda que, atuando, no mundo sensório.
[1]
Swami Satyananda, é Lailson Braga Baeta Neves, ordenado pelo monge Swami
Sarvananda, então Sarvayogacharya da Ordem dos Sarvas, tendo sido este ordenado
pelo Sri Sevananda Swami, primeiro Sarvayogacharya.
[2]
Membro da Ordem dos Sarvas-Swamis, fundada por Sri Sevananda Swami em
02/08/1953, como um ramo da Ordem dos Swamis, reorganizada milenarmente por Sri
Sanckarya Acharya.
[3]
Parte final e mais importante dos Vedas Puranas, escrituras indianas antigas em
sânscrito.
[4]
Gadadar Saterj, nascido em 1836 na aldeia Gramapukur e falecido em 16/08/1886
em Daksnewara, Calcutá. É considerado uma encarnação divina e um grande Mestre,
seu nome iniciático é a fusão dos nomes de dois avatares Rama e Krisnha. Seu
nome de nascimento significa “O portador do cetro”.
[5]
Narendra Nat Dutta, discípulo e sucessor de Ramakrishna. Era formado em
direito. Fundou a Ordem Ramakrishna e a Fundação Ramakrishna.
[6]
Primeira Guru de Ramakrishna, ensinou-lhe os segredos do tantrismo e o revelou
como encarnação divina. Levou-o a
realização do Deus Pessoal, na forma da Divina Mãe.
[7]
Segundo Guru de Ramakrishna, mestre na forma advayta, instruiu Ramakrisnha na
forma da realização do Deus sem forma ou impessoal.
[8]
Nirbikalpa ou NIrbija samadhi. O êxtase anterior era um sabikalpa ou sabija.
[9]
Consta dos Evangelhos, inclusive a crítica dos fariseus por tratar Deus com
tanta proximidade.
[10]
Regulamento Interno da Ordem dos Sarvas-Swamis: RITMO.
[11]
IDEM.
[12]
Dirigente espiritual da Ordem dos Sarvas-Swamis, sua autoridade máxima.
[13] Sigla que significa Ordem dos Sarvas Swamis,
inspirada no verbo “osar” em Castelhano.
[14] O
Caminho do meio. Sidartha foi, injustamente, muitas vezes, acusado de ateu, por
se recusar a referir-se a Deus. Entretanto o budismo é mais sutil e tenta
manter o discípulo focado na sua realização, sem formar imagens. O Zen é mais
severo nisso, até porque recusa o conhecimento supérfluo e concentra-se na
consciência do cotidiano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário