sábado, 19 de janeiro de 2013

A Sarva Ioga e os Ídolos


A SARVA IOGA E OS ÍDOLOS

                                               Swami Satyananda[1]

Durante anos fui preparado pelo meu Mestre, Swami Sarvananda (Georg Krítikos), para ser um sarva-swami[2].
Eu o conheci em 1984 e nossa relação perdurou até a sua morte.
Em 1991 fui ordenando na ordem milenar dos Swamis e recebi o nome de Satyananada.
Não era intenção do meu Mestre, e nem dos que o guiaram, que nós fossemos mera repetição do que já fora dito ou feito.
A realização espiritual se assenta, consideravelmente, na espontaneidade e originalidade, o que resulta em um construtivismo criativo.
Não fui treinado para ser um clone, mas preparado para ser um continuador.
Assim como uma obra escrita por vários autores em seqüencia, cada um acrescenta algo, nem que seja uma vírgula, contribuindo para o todo, nos limites de sua missão e capacidade.
A expressão sarva, em sânscrito, quer dizer integral, total, enquanto a palavra swami, também em sânscrito, quer dizer ligado a Ishwara, uma das manifestações de Shiva, o destruidor.
Acontece, que o destruidor é também o construtor, logo, sarva-swami é aquele que tem a consciência desperta e integralmente ligado ao Grande Construtor e à sua obra, sendo ele mesmo construtor e parte da obra, o que demonstra integralidade e que tudo é igual a tudo.
Na tradição vedântica[3], você pode se ligar ao Alto pelo impessoal e pelo pessoal. O pessoal pode ser com ou sem atributos. Obviamente, não há como explicar a pessoalidade sem atributos, entretanto, a relação pessoal com atributos se dá dentro das cinco formas seguintes: Deus como pai, Deus como mãe, Deus como amigo, Deus como amante, Deus como filho.
Esta forma funciona bem, principalmente dentre os indianos oriundos da região de Bengala, por serem muito emotivos e sentimentais, acalentando em si uma alma poética e romântica.
Foi assim como o Bendito Senhor Ramakrisnha[4] e alguns de seus discípulos, que cultivaram uma relação com o Deus pessoal, para só posteriormente cultivar a relação impessoal.
Swami Vivekananda dizia que o Deus pessoal é a forma que a mente filtra e interpreta as impressões Divinas.
Eis aí uma grande chave da qual trataremos mais adiante.
O Mestre do Swami Vivekananda[5], O Senhor Ramakrishna, tornou-se discípulo da Bhairavi Bramani[6], uma mulher, que lhe proporcionou a possibilidade de atingir a realização no deus pessoal com atributos (A forma radiosa da Divina Mãe).
Posteriormente, Ramakrishna teve um encontro com Totapuri [7]e este o levou ao conhecimento do Deus Impessoal.
Ramakrishna declarou, em dado momento, que lhe era fácil desapegar de qualquer objeto, exceto da forma radiosa da Divina Mãe.
Quando transmitiu isso à Totapuri, este, muito severamente disse: “como não pode, tem que poder”. E fê-lo concentrar em um caco de vidro azul introduzido entre os olhos.
Ramakrishna continuou seu relato, dizendo que quando a imagem da Divina Mãe surgiu radiosa, que ele usou a sua discriminação como uma espada e a partiu ao meio, não restando nada, voou livre para o plano sem imagens e abstrato, permanecendo neste estado por três dias[8] e, em semi-êxtase por seis meses initerruptos, sendo necessário que cuidassem de suas mínimas necessidades.
Vivekananda, por sua vez, permaneceu em estado similar por 12 horas, voltando lentamente à consciência sensória depois disso.
Por outro lado, a tradição cristã sempre condenou a adoração de ídolos, chegando alguns cultos a vedar a disposição de qualquer imagem em seus templos.
Provavelmente muitos dirão que o culto ao deus pessoal é uma forma de idolatria, todavia é bom não olvidar que o Senhor Jesus sempre chamou a Deus de “Pai”[9], usando a expressão “Abba”, que é algo como “papai” ou “paizinho”, sempre ressaltando que Deus é amor e, portanto, dando-lhe atributos.
Haveria contradição entre tais comportamentos? O ídolo seria, realmente, uma imagem cristalizada em pedra ou madeira?
Convém, neste ponto, fazer uma pequena intercessão na linha de desenvolvimento do texto para fazer um esclarecimento, quanto aos termos e sua real significação, em especial para nós sarvas.
A palavra ideologia, advém do termo “idéia”, que no grego significa um pensamento ou conjunto de pensar, construtivo e também, origem a palavra ídolo. Ideologia é, portanto, um pensamento humano, que, sistematizado, aplica-se um grau de verdade.
O ídolo por sua vez, é uma corrupção da ideologia, visto que é a cristalização da crença, sem conhecer o seu mecanismo, alcance e finalidade.
Enquanto a idéia surge do pensamento criativo e a ideologia da sistematização das idéias criativas, o ídolo é a crença irracional, sem conhecimento de sua origem, normalmente imposta por pretensos seguidores que, sem saber do que falam, fazem unicamente o que podem, impõem uma crença cega, obstinada, irracional, sem admitir divergências ou tangiversões.
 É preciso compreender que a idolatria (crença) irracional, mesmo que em uma coisa aparentemente boa, prima facie, pode gerar situações muito graves, ou não teríamos a inquisição e as guerras e conflitos resultantes da intolerância religiosa.
Foi contra o apego irracional que Totapuri mostrou severidade, ainda que se tratasse do Sr. Ramakrishna, posto que não se justificava o apego à forma, quando este já compreendera  a infinitude daquilo que realmente É.
De outra sorte, não se justifica condenar a utilização de meios racionais, compreensíveis à mente humana, que permita ao neófito um primeiro contato com a luz, em um estágio que lhe seja compreensível.
É por isso que a ordem dos Sarvas-Swamis admite  e, mais ainda exige que para a ordenação do Sarva-Swami, este tenha vivenciado com capacidade de reiteração um dos cinco tipos de êxtases tradicionalmente conhecidos, ou seja: o samadhi ioguico, o transe devocional extático, o satori (zen), a iluminação supramental (Aurobino) e o quarto estágio gurdijjiefiano[10].
Entretanto, ainda que vivenciado o êxtase reiterável, é necessário a disposição de servir a ordem incondicionalmente, assim como ao desapego a quaisquer idéias, ideologias, crenças ou obstinações[11]. Além disso, ser ordenado pelo Sarvayogacharya[12] da OSA[13], ou por um swami com mais de sete anos de exercício, devidamente autorizado pelo Acharya.
 Pode parecer estranho a um neófito ou um pré-discípulo, que a ordem exija o desapego de crenças. Note-se, não se exige a descrença, ou a ausência de idéias, mas a capacidade de estar acima delas e de utilizá-las racionalmente, para os fins a que se destinam, para, ao final, chegar-se ao estágio da mente abstrata.
É de se notar, portanto, que a referida norma da OSA, mantém-se, em consonância com a doutrina do não cultivo de ídolos, assim como Gautama, o quarto Buda, se negou a fazer digressões sobre o Divino ou dar-lhe atributos, limitando-se a pregar a necessidade de conscientização, desapego, pratica da verdade, abnegação e amor[14], para atingir-se o nirvana.
O encontro consigo mesmo e a realização de Si, permitem, ao longo do caminho, o uso racional de imagens ideais para o cultivo da consciência devocional, mas a própria consciência exige, ao longo da caminhada, a liberação de tais imagens. Eis porque Sri Sevananda dizia que o samadhi ainda é humano e contém a ilusão, mas que só a figura do Sarva Swami em perene meditação está livre de toda influência, vivendo no mundo da mente abstrata, ainda que, atuando, no mundo sensório.







[1] Swami Satyananda, é Lailson Braga Baeta Neves, ordenado pelo monge Swami Sarvananda, então Sarvayogacharya da Ordem dos Sarvas, tendo sido este ordenado pelo Sri Sevananda Swami, primeiro Sarvayogacharya.
[2] Membro da Ordem dos Sarvas-Swamis, fundada por Sri Sevananda Swami em 02/08/1953, como um ramo da Ordem dos Swamis, reorganizada milenarmente por Sri Sanckarya Acharya.
[3] Parte final e mais importante dos Vedas Puranas, escrituras indianas antigas em sânscrito.
[4] Gadadar Saterj, nascido em 1836 na aldeia Gramapukur e falecido em 16/08/1886 em Daksnewara, Calcutá. É considerado uma encarnação divina e um grande Mestre, seu nome iniciático é a fusão dos nomes de dois avatares Rama e Krisnha. Seu nome de nascimento significa “O portador do cetro”.
[5] Narendra Nat Dutta, discípulo e sucessor de Ramakrishna. Era formado em direito. Fundou a Ordem Ramakrishna e a Fundação Ramakrishna.
[6] Primeira Guru de Ramakrishna, ensinou-lhe os segredos do tantrismo e o revelou como encarnação divina.  Levou-o a realização do Deus Pessoal, na forma da Divina Mãe.
[7] Segundo Guru de Ramakrishna, mestre na forma advayta, instruiu Ramakrisnha na forma da realização do Deus sem forma ou impessoal.
[8] Nirbikalpa ou NIrbija samadhi. O êxtase anterior era um sabikalpa ou sabija.
[9] Consta dos Evangelhos, inclusive a crítica dos fariseus por tratar Deus com tanta proximidade.
[10] Regulamento Interno da Ordem dos Sarvas-Swamis: RITMO.
[11] IDEM.
[12] Dirigente espiritual da Ordem dos Sarvas-Swamis, sua autoridade máxima.
[13]  Sigla que significa Ordem dos Sarvas Swamis, inspirada no verbo “osar” em Castelhano.
[14] O Caminho do meio. Sidartha foi, injustamente, muitas vezes, acusado de ateu, por se recusar a referir-se a Deus. Entretanto o budismo é mais sutil e tenta manter o discípulo focado na sua realização, sem formar imagens. O Zen é mais severo nisso, até porque recusa o conhecimento supérfluo e concentra-se na consciência do cotidiano.

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