quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O FIM DO MENINO QUE NÃO SORRIA

O FIM DO MENINO QUE NÃO SORRIA

I O começo, ou a perda do sorriso.

Esta é a história de um menino e seu nome é Carlos Eugênio. No começo todos o chamam de Carlinhos ou Júnior, já que tinha o mesmo nome do pai.
O pai de Carlinhos era diretor de uma grande empresa e apesar de ter nascido em um subúrbio de uma cidade de tamanho médio, conseguiu fazer faculdade e, agora, morava em uma grande cidade.
Era por essa razão que ele dava ao seu filho de sete anos, tudo o que entendia ser o melhor e, principalmente, tudo o que não teve.
A mãe, que muito amava o marido e o filho, concordava com o esposo, a quem conheceu enquanto colega de trabalho.
 Ela também era uma alta executiva da empresa, embora atuasse não atuasse na mesma diretoria do marido, por causa das normas da empresa.
Por isso moravam no bairro mais requintado da cidade, em um apartamento cujo espaço ocupava todo um andar.
Júnior tinha as melhores roupas e os brinquedos mais caros. Estudava em uma escola considerada de gente rica.
Tinha tudo, mas também uma característica que o diferenciava de todas as crianças. Não estou falando de sua pouca estatura para a sua idade e nem dos óculos, que lhe rendiam o apelido de “quatro olhos” na escola. Também não falo do seu corpo magricela e dono de uma pele muito branca e pálida que também o fazia alvo de apelidos e brincadeiras de mau gosto, ou de suas sardas e menos ainda do seu cabelo ruivo e que crescia para o alto e para trás, como um topete ao contrário.


A característica a que me refiro é que Carlinhos nunca sorria. Na verdade ele sorria quando bebê, mas depois dos quatro anos de idade ninguém mais o viu sorrir.
Claro que ele não parou, simplesmente, de sorrir em um dia determinado. Aos quatro anos seu sorriso foi diminuindo, tanto na extensão facial, quanto nos intervalos de um riso para o outro. Seus olhos foram perdendo o brilho, até que sorriso e brilho desapareceram de vez.
Sua boca quase não se abria, a não ser para o pouco que comia e menos ainda para falar. Na verdade quase não se via o contorno dos lábios, mas tão somente um traço que mais se parecia com uma trava.
Seu pai e sua mãe se preocupavam muito com isso, por isso o levaram a vários especialistas, mas sem resultado algum.
Deram-lhe o máximo de atividades possível, assim, além das aulas regulares Júnior aprendia inglês, tinha aula de natação, judô e piano.
Mas nada disso, jamais, lhe fez sorrir outra vez.

II Os Problemas Aparecem

Carlinhos ficava muito tempo sozinho. Às vezes ficava assistindo televisão ou simplesmente olhando através da grande vidraça da sala de estar, isto é, quando lhe sobrava tempo para tanto. Às vezes jogava seus joguinhos eletrônicos, mas sem demonstrar qualquer emoção. Talvez conversasse com o seu brinquedo predileto, um boneco que representava um guerreiro e que estava sempre ao seu lado.
Seja como for, em atividade ou em casa, passava a maior parte do tempo sozinho.

Normalmente era levado para as atividades escolares e extra-escolares pela sua babá e por um motorista.
Com tantos privilégios e mordomias, seus pais não conseguiam ver motivo para tanta melancolia.
Júnior tinha a pele branca e os cabelos vermelhos da mãe, mas revoltos como os do pai. Aliás, da mãe herdou, também as sardas e os olhos castanhos e melancólicos, e do pai os lábios grossos e o nariz encompridado e grosso.
Além disso, usava óculos como o pai, só que Carlinhos tinha estigmatismo e o pai miopia.
Mas vamos prosseguir com a narrativa...
Entretanto, os pais de Carlinhos começaram a mudar. Chegavam mais tarde em casa, sempre muito abatidos, calados e melancólicos, tanto ou mais que o filho. Na verdade, estavam muito preocupados.
Um dia sua mãe parou de sair para o trabalho. Embora tenha dito para o filho que desistiu de trabalhar para ficar mais perto dele, ela estava mais distante como nunca.
É verdade que era ela quem o levava para a escola agora, já que a babá e o motorista foram embora um dia e não voltaram mais. Ele já não tinha mais atividades extras, o que lhe dava certo alívio.
Chegou um dia em que seu pai também não saiu mais de casa, o que lhe pareceu, muito estranho para Júnior: Afinal, o seu pai também não ia mais trabalhar? Como iriam viver?
De vez em quando o garoto ouvia palavras tais como “falência”, “quebra”, “fábrica fechada”, “perdemos tudo!”.
Finalmente seu pai e sua mãe disseram a Carlinhos que teriam que se mudar de cidade, que iam morar com o vovô e a vovó, na cidade onde o papai nasceu.


III O Que o Carlinhos não Sabia

Carlinhos não sabia, como é óbvio, a origem das apreensões dos seus pais.
Carlos Eugênio Lima, pai de Júnior, era muito esforçado. Estudou na escola agrícola da sua cidade e terminou por se formar em agronomia e administração de empresas.
Acabou conseguindo trabalho em uma grande empresa e foi galgando postos até ocupar uma posição de destaque.
Nesta empresa conheceu Melinda, que tinha feito curso normal e depois formou em pedagogia. Entretanto, após se mudar para uma cidade grande, acabou se tornando secretária executiva da empresa. Descobriram afinidades, que vinham de cidades próximas e terminaram por namorar, noivar e se casar.
Com o crescimento do casal na empresa e em razão do cargo que Carlos Eugênio Lima alcançou, a título de complementação, foi deixado em comodato um apartamento que lhes servia de morada, celulares, um automóvel de luxo e um motorista à disposição do diretor e seus familiares.
Estas coisas sempre trouxeram certo desconforto ao Carlinhos, deixando-o em total isolamento, pois não conseguia fazer amigos diante de tanto aparato à sua volta.
Entretanto, com a crise mundial, a empresa perdeu muitos contratos e teve que demitir muita gente, entre aqueles que perderam o emprego  encontravam-se os pais de Carlinhos.
Com a perda do emprego, perderam também o direito à moradia, automóvel e motorista, assim como aos celulares.
O pior é que a empresa ficou devendo muito aos seus empregados e, depois de tudo, terminou abrindo falência.


Por isso, os pais de Carlinhos, depois de pensarem em inúmeras alternativas, só encontraram uma solução. Voltar para a cidade de natal do pai de Carlinhos, morar no barracão nos fundos da casa de seu pai e voltar a trabalhar com ele, tanto no comércio, quanto no sítio.
Os avós de Carlinhos abriram as portas da casa com alegria e benevolência para o filho, a nora e o neto.
Naquela noite Carlos Eugênio e sua esposa Darlene deram a notícia á Carlinhos.
A vida do menino que não sorria ia mudar... Ele nem sabia quanto...

IV A Mudança

O Senhor João Carlos Lima, mais conhecido como Senhor Janjão e sua esposa Dona Maria Rita Lima, mais conhecida como Maricota, avós  do Carlinhos, não eram ricos, mas tinham uma vida remediada e bem melhor do que a maioria dos seus vizinhos.
A mudança era pequena, pois os pais de Carlinhos tiveram que se desfazer do máximo de coisas que possuíam, já que sequer caberiam no barracão de dois quartos, sala, cozinha e banheiro onde iriam morar, mas mesmo assim o Senhor Janjão fez questão de pagar as despesas do transporte.
Carlos Eugênio vendeu o carro que lhe restava e adquiriu um modelo popular usado e foi nesse veículo que a família se mudou, seguido pelo caminhão de mudança.
Na noite em que chegaram, Carlinhos sentiu um frio na barriga, e ficou mais triste ainda, pois teve medo do desconhecido e de sofrer ainda mais ali.


V O Primeiro Dia

No dia seguinte Carlinhos acordou com o ruído das aves  do quintal. Tomou café com leite e começou a prestar a atenção no mundo novo do qual fazia parte agora.
Galinhas, patos, marrecos e seus filhotes caminhavam pelo quintal livremente. Carlinhos nunca tinha visto aquilo, deslumbrado e temeroso olhava para tudo.
Na verdade ele achou diferente e interessante, mas temia levar algumas bicadas.
O primeiro dia de aula também o atemorizava, pois iria para uma escola nova na qual não conhecia ninguém.
Finalmente, sua mãe o tomou pela mão e o levou para a escola, tirando-o de seus pensamentos.
A escola não era longe, ficava na mesma rua e não demoraram a chegar.
A sua mãe o levou até a professora, visto que era o seu primeiro dia de aula.
Esta, por sua vez, o saudou e se despediu da mãe do garoto, levando-o para a sala de aula e o apresentou:
“Este é o nosso novo coleguinha, Carlos Eugênio, vamos todos recebê-lo bem”. A apresentação foi seguida por um estrondoso “bem vindo”.
Carlinhos foi acomodado ao lado de um menino chamado Felipe. Do outro lado se sentava Aninha, uma menina muito simpática e sorridente.
Sentavam dois alunos em cada carteira, por isso Aninha se sentava com Bia, uma menina esperta e inteligente.


Carlinhos ainda sentia um pouco de receio em razão da nova situação, mas, sem saber a razão, começava a se sentir mais a vontade.
Na verdade, estava mais a vontade do que jamais estivera na antiga escola.
Na hora do intervalo Carlinhos foi acompanhado por Felipe que se mostrava um ótimo companheiro.
Logo estavam cercados por outras crianças, dentre eles Aninha e Bia, que lhe perguntaram de onde vinha.
Em seguida aproximou-se deles um menino um pouco maior, de cabelos crespos e de pele morena. Era o irmão de Aninha, Quinzinho, que estudava na mesma escola, mas em uma turma mais adiantada.
Quinzinho era um garoto alegre e criativo, tinha a capacidade de fazer as pessoas se sentirem bem e à vontade, por isso era o líder natural da turma.
Logo percebeu que Carlinhos era muito inteligente e esperto e, por isso, substituiu o seu apelido por Geninho, com a aprovação de todos.
Geninho, a partir de então, logo se sentiu enturmado e foi convidado pela turma para brincar depois que fizessem as tarefas escolares.
Naquele dia, quando voltou para casa, havia alguma coisa diferente no semblante daquele menino...

VI A primeira brincadeira

A turma se reuniu no parquinho da praça principal e começaram a combinar a brincadeira.

Quinzinho propôs que brincassem de exploradores de florestas: todos acharam boa idéia, mas Geninho perguntou onde encontrariam a floresta. “Aqui mesmo, ora”. Então Geninho compreendeu que a imaginação era tudo.
Em pouco tempo se viu na mais densa floresta, sendo guiado por um fiel lobo que lhes tinha devoção – na verdade Chispito, o cão basset mestiço de Felipe – pronto a desvendar os mistérios daquelas matas.
Brincaram a tarde inteira e no fim do dia Geninho voltou para casa, faminto e precisando de um banho.
Tomou seu banho, comeu bastante e foi para a cama cedo, pois estava com muito sono. Adormeceu sonhando com florestas e outras brincadeiras do provir.

VI A Próxima Brincadeira

O que iriam fazer desta vez? Foi o que pensou Geninho, mas logo ficou decidido que deveriam buscar um tesouro.
Que tesouro? Ora, respondeu Quinzinho, o tesouro escondido pelo pirata “Perna de Pau”.
Geninho logo entendeu e foi nomeado o imediato do Capitão Quinzinho e partiram em busca do tesouro, prontos para enfrentar os perigos dos sete mares.
Entretanto, uma coisa começara a mudar, o rosto de Geninho estava começando a mudar.
Os olhos, atrás dos óculos tinham um brilho diferente e a boca relaxava, desenhando um esboço de um sorriso...
Naquele tempo, tesouros foram descobertos, selvas desbravadas, grandes viagens espaciais foram empreendidas, planetas descobertos, montanhas escaladas, mas também árvores foram alcançadas até o último galho e seus frutos colhidos e apreciados como nunca, tudo sob grandes batalhas e aventuras, todas vencidas por Quinzinho, Geninho e a turma.
Sem perceber, Geninho foi ficando mais encorpado, bronzeado e ágil. Estava cheio de vida...

VII LEÃO, O FEROZ... FEROZ?

Foi em um dia ensolarado. Geninho voltava da escola, quando ele notou um cão deitado no portão de sua casa.
Em princípio ficou amedrontado, pois o bicho era grande, mas ao se aproximar, viu que ele só estava cansado e sedento.
Geninho se aproximou e ele levantou os olhos e agitou a calda.
No começo ele parecia feroz, mas... Feroz coisa nenhuma, ele estava mais assustado que o garoto.
Mesmo assim, com a confiança que só o extinto animal permite, ele abanou a calda e olhou compassivamente para o menino.
E ai, pronto, estava feita a ligação, menino e cachorro, uma das mais fortes e poderosas relações do mundo.
Geninho se apressou em arranjar uma vasilha de água fresca, que foi sugada pelo cão em pouco tempo.
Geninho encheu outra vasilha e deu-lhe um pouco de sobra de comida.
Ele até que era bonito naquele pelo amarelado, focinho preto, e seu jeito grandalhão lembrando um dinamarquês, mas desajeitado e medroso. Mesmo assim o menino o chamou de Leão.
Para um adulto isso pode ser difícil de entender, mas, uma vez estabelecida esta ligação, para o menino aquele cão é o melhor e maior cão do mundo.
E sabem de uma coisa, todo cão que é amado é o melhor cão do mundo.
Quanto ao Leão, façamos justiça a ele. Os cães quando passam privações, ou se tornam agressivos, ou amedrontados, e este era o caso do Leão.
Seja como for, eles precisam ser cativados e amados para superar e encontrar a felicidade, depois do mal que sofreram na mão dos humanos.
Mas o Leão começou a ser cativado e a cativar naquele dia... Começou a amar e ser amado e, por isso, a ser feliz...
Mas nem tudo são flores, os pais de Geninho não queriam o cão, não tinham lugar para ele, ia dar despesas, sujar a casa, mas um menino que tem avós de verdade nunca se aperta...
Vovô Janjão deixou o Leão ficar no seu quintal e transformou um caixote em casinha.
Depois ele, Geninho e Quinzinho foram na clínica da Dra. Lara, uma veterinária que tratava de animais abandonados. Ela tinha até um grupo de apoio muito bom.
A veterinária examinou, medicou e vacinou Leão.
Alguns dias depois ela disse ao Geninho que Leão era saudável e só precisava de amor e carinho.
“Isso eu tenho de sobra para dar”, pensou Geninho.
A partir de então Leão passou a ser o companheiro da turma nas brincadeiras, assim como Chispito...

VIII CHISPITO E LEÃO

Quinzinho juntava os meninos e junto com eles bolava brincadeiras e, com a chegada do Leão, passou a incluí-lo nelas.
Leão, por sua vez, ainda que temerosos, percebeu que estava sendo incluído e querido em um grupo e entrava na brincadeira, às vezes se fingindo de fera selvagem.
É fato que, às vezes, na maioria delas, era uma “fera” relutante, preguiçosa e medrosa, mas muito simpática.
Chispito, que era alegre mais ranzinza, apesar de menor, sendo mais velho e mais antigo no grupo, impôs a Leão o seu lugar de “ajudante do chefe”, que era nada menos do que ele próprio. Fora isso, eles se davam muito bem.
Chispito era atencioso com Leão, mas era como se dissesse às vezes “calma lá garoto, o chefe aqui sou eu”, no que Leão, prontamente de orelhas baixas parecia responder um “desculpe chefe, foi mal”. Depois disso tudo se normalizava.

IX QUINZINHO E OS ÓCULOS DE GENINHO

Uma coisa ainda incomodava Geninho e eram os seus óculos. Talvez um resquício de quando era chamado de quatro olhos.
Muita coisa estava mudada, seus pais, estavam mais adaptados e tinham mais tempo para ele, tinha amigos, um cachorrão amável e desajeitado, mas ainda tinha aquilo...  Era um pequeno incômodo, como uma coceira que ele não conseguia coçar.
Quinzinho, por sua vez, era um menino esperto e gentil, avesso á qualquer violência, um líder pelo seu carisma e simpatia.
Um belo dia, já tendo notado o incômodo que os óculos traziam ao seu mais novo amigo, criou uma brincadeira na qual era preciso um agente especial com poderes visuais superiores.
Nomeou Geninho para o cargo e lhe disse que era porque ele era o único entre eles que tinha “o poderoso aparelho de super visão”.
Aos poucos Geninho foi vencendo o constrangimento e começou a achar seus óculos até uma vantagem.
Geninho até ouviu de Quinzinho sobre os super heróis que usam óculos e passou, a cada dia, a ter mais confiança em si.
E então, ele sorriu, e o fez plenamente, com a boca, os olhos e os gestos... Ele era todo sorriso.
Um dia, uma antiga professora, por acaso passava por ali e viu a mãe de Geninho, reconhecendo-a imediatamente.
Ela perguntou pelo ex-aluno do antigo colégio e a mãe respondeu “lá vem ele”, e apontou.
A professora, perplexa, olhou e não reconheceu, pois o que viu foi um menino magro, mas encorpado, bronzeado, de cabelos ruivos ao vento e que corria em direção à mãe vindo da escola, olhos brilhantes e sorriso nos lábios, seguido por um desajeitado e trôpego e alegre cachorro.
Então ele entendeu que não havia mais razão para se preocupar com o menino que não sorria, pois este tinha findado para dar lugar a um menino que sorria com a boca, olhos e coração... Um menino que sorria plenamente e vivia muitas aventuras, como só os meninos felizes sabem fazer...


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